sábado, 22 de outubro de 2005

Manteiga de iaque

Eis que o Alves está de volta após uma ausência um tanto ou quanto prolongada. É claro que a ausência num lado determina a presença noutros e, assim foi. Durante aproximadamente 15 dias tive a oportunidade de, a convite do Ministério dos Negócios Estrangeiros, participar num programa de intercâmbio com o homologo ministério Chinês. Desta forma foi com grato prazer que me desloquei à província de ThaiUong, no Tibete, mais concretamente à cidade de Xingyam.
No local tive a oportunidade de participar numa acção de intercâmbio cultural com vista à introdução no nosso pais da manteiga de iaque. Como contrapartida os tibetanos (fica aqui entre nós, pois os chineses parece que gostam pouco que assim lhes chamemos), prestam-se a produzir as famosas tigeladas de Tomar, com os não menos famosos ovos das galinhas de Xiujaing.
Assim, me tenho eu, responsável prelo frete de duas toneladas de manteiga de iaque com vista ao mercado interno. Ao que parece a abadessa do convento de Odivelas já demonstrou interesse no produto e presta-se ao lançamento de um livro de receitas intitulado “Biscoitos com Iaque” (não se confunda biscoito na presente acepção com nada que tenha a ver com coito duplo).
A minha presença no Tibete foi ainda momento para aprender no terreno os melhores processos de terraplanagem cultural, neste caso com o carimbo de qualidade dos chineses. Foi alegre a visita que fizemos pela região (parece que os chineses não gostam que lhe chamemos país), com o nosso cordato anfitrião, o Sr. Zuong Pa Thé, Ministro para a Sobreposição Cultural (MSC) a fazer as honras. Viajámos em confortáveis autocarros produzidos num pólo industrial próximo a Pequim.
Já Lassa, a capital da região tibetana é, sem dúvida, uma cidade fascinante, repleta de chineses e onde se fala a língua chinesa na perfeição. Da mesma forma os mosteiros preservam uma aura muito especial, embora em minha opinião talvez se pudesse evitar as barras verticais nas janelas pois desvirtuam a arquitectura dos lugares que, ao que me contou o Sr. Zuong Pa Thé é desde meados do século XX fortemente influenciada pelo estilo chinês. O mesmo responsável pela pasta já citada acrescentou-me que as barras prestam-se a um forte componente social e espiritual: impedir a saída para o exterior dos clérigos, preservando o espírito asceta que os motiva. Sabendo da permanência do Dalai Lama em terras estrangeiras vai para tantos anos, perguntei ao responsável pelo MSC se a saída do líder espiritual do Tibete se havia dado antes das barras. Calmamente o Sr. Zuong Pa Thé, respondeu-me que esse “Thai uo po ta ma the” (consultando à posteriori um dicionário de chinês/português, chego à conclusão que se trata de uma expressão idiomática da qual percebo apenas o último termo: cadela) era o responsável pelo estado de degradação moral que o país atravessou. Degradação que me foi apresentada num prazenteiro e airoso museu nas proximidades de Lassa.
A infra-estrutura data dos anos 80 do século passado e, através de um périplo por cerca de três centenas de salas, revela-nos nos tons sépia de antigas fotografias, o estado deplorável em que se encontrava o Tibete antes da chegada da China. Após a Sala dedicada aos líderes chineses, mergulhamos no caos de um país sem exército, com uma percentagem alarmante de religiosos, com uma religião que primava pelo profundo respeito à vida e meio natural. A visita ao museu termina na Sala do Branqueamento da Memória Colectiva e Passada, qualquer coisa semelhante a um produto anti-nódoas para as massas.
Assim decorreu, grosso modo, a minha agradável e elucidativa viagem pelo altiplano Tibete. Recordei, não sei porque razão, amiúdas vezes, no périplo por esta região asiática, o livrinho que James Hilton situa naquelas paragens, “Horizonte Perdido”.
Só mais uma nota: quando as primeiras tigeladas de tomar, produzidas no Tibete, invadirem o mercado português o consumidor vai constatar uma introdução muito particular. Tal como o bolo-rei, a tigelada passa a trazer um brinde, desta feita um pequeno carimbo para aplicarmos no sovaco: diz ele: “Made in China”.

1 comentário:

ENGº. Viriato disse...

Caro Alves,
Manteiguinha de Iaque, hummmm!!!, bem boa que deve ser!E se a experiência resultar até podemos alargar a "colaboração" a outras áreas, das quais proponho e destaco: Sardinhas do Mar da China, Tomate do Sri Lanka, Francesinhas à moda do Bangladesh, queijinhos frescos da mongólia e cozido à portuguesa do Laos...bem sei que muitos destes territórios ainda não estão anexados pelo Império do Meio, mas dá-lhes tempo Alves, dá-lhes tempo...