segunda-feira, 25 de junho de 2007

Heroes

Embora exista quem defenda que já não há heróis, eu entendo que este mundo ainda vai tendo os seus, muitos deles anónimos e de cuja existência nem nos damos conta.

Vem este intróito a propósito de uma história verídica que não se passou comigo directamente, embora tal fosse possível, e que me deixou suficientemente impressionado para que aqui a viesse partilhar com quem me lê.

Passou-se recentemente no Instituto Português de Oncologia de Lisboa (IPO), onde um amigo meu recebe tratamento a uma doença do foro oncológico.

Tendo estado com ele na sexta-feira, ao final do dia, não consegui deixar de me emocionar pela forma como me contou um episódio por ele presenciado naquele IPO, numa altura em que lá se deslocou para mais uma sessão de tratamento.

Dizia-me ele, visivelmente tocado pelas circunstâncias, que das coisas que mais lhe custa observar são as inúmeras crianças que ali estão internadas, em tratamento dos seus tumores (muitos deles, infelizmente, não irão sobreviver aos tratamentos, mas a esperança há-de ser sempre a última a morrer), e como tem de apanhar o elevador até ao 6.º piso, onde realiza os seus tratamentos, e as crianças encontram-se internadas no 7.º piso, raras são as vezes em que não as encontra naquele local.

Da última vez, voltou a partilhar o elevador com uma série de crianças e era vê-las, magrinhas, com olheiras, tristes, sem cabelo, acompanhadas ou não pelos familiares que também sofriam, tanto quanto elas, e eis que repara num menino que, também magrinho, também com olheiras, também ele sem cabelo, estranhamente sorria e era acompanhado, pela mão, por seu pai.

E, contrariamente aos restantes meninos que traziam bonés a esconder aquela calvície forçada, que nunca deveria existir numa criança, aquele menino em concreto trazia a cabeça destapada e sorria, orgulhoso.

Motivo: o seu pai, que o levava pela mão, também ele rapara todo o cabelo que tinha em sua cabeça, o que fez com que o seu filho sorrisse, pois o seu ídolo, o seu querido pai, também estava igual a ele.

Não sei qual será o desfecho desta história. Espero e rezo para que seja feliz, mas não posso deixar de fazer referência a este herói desconhecido, a este pai que todos os dias rapa o seu cabelo para que seu filho não se sinta mal com o seu estado actual, a este pai que, numa situação de extremo que nos leva a questionar tudo e todos, até a própria vida, até o próprio destino, escolheu como forma de reagir a esta tormenta na vida aquela que me parece ser a correcta, mostrando que estava ao lado do filho e que em conjunto haveriam de combater o problema com todas as respectivas forças, sendo a mais importante a do amor que os une.

Para ele, para todos os pais que amam loucamente os seus filhos e que sofrem quando eles sofrem, para todos quantos já viram ou ainda verão a sua vida afectada por este drama familiar de proporções gigantescas, fica a sentida homenagem, aqui personificada neste anónimo herói que nos faz acreditar, um bocadinho mais, em valores que esta humanidade teima em fazer por esquecer a cada dia que passa e nesta cover feita pelos The Wallflowers a uma música de David Bowie, simbolicamente intitulada Heroes.

Hic Hic Hurra

8 comentários:

Rabodesaia disse...

Caro Vizinho zé,

Está de parabéns por nos ter relatado esta história.

Eu fico verdadeiramente feliz quando há histórias reais de verdadeiro afecto e amor. Achei genial o gesto desse pai, e espero honestamente que tudo corra bem para o miudo e que o seu sorriso seja ainda mais rasgado.

Inspector Serôdio, José Serôdio disse...

Grande Zé,

Folgo em ver que já rezas, e espero que não seja quando estás grosso!

E já agora, para quem esteja interessado, há uma associação que se destina precisamente a apoiar as crianças vítimas de cancro e suas famílias, a «Acreditar», que desenvolve nomeadamente uma apreciável acção no IPO de Lisboa.
Contribuições são bem vindas.

Anónimo disse...

Rezemos juntos, Zezinho.
E se quiseres, até posso ajoelhar...
Esfomeada

Bottled (em português, Botelho) disse...

Cara vizinha rabodesaia,

Assim o espero, igualmente.

Caro Senhor Inspector,

V. Exa. ficaria admirado se soubesse o quanto rezo, apesar de, se calhar como muita outra gente, o fazer à minha maneira. Talvez o faça da maneira errada, mas nestas coisas de rezas e de religiões, se calhar um dia chegaremos à conclusão que só existe uma Divindade, comum a todos os humanos, e que ela reside nos nossos corações. No do pai cuja experiência de vida agora relatei Ela está presente, não tenho qualquer dúvida!

Cara esfomeada,

Apesar de ter compreendido o jogo com a música do Gabriel, o Pensador, devo dizer-lhe que seria bom que, nestas como em muitas outras situações, as pessoas tivessem a humildade de se ajoelhar e ver o mundo de baixo para cima. Talvez lhes fizesse bem e talvez passassem a respeitar e a amar o próximo.

Hic Hic Hurra

Nota - E se puderem ajudar através da caridade, apoiando as acções desenvolvidas a favor dos menos favorecidos, melhor ainda...

Inspector Serôdio, José Serôdio disse...

Entornado Zé,
É pensando em pessoas como o meu amigo que já comecei com os postitos temáticos, oferecendo possibilidade de escolha da religião que mais se identifique com cada um.

Porque proselitismos à parte, penso que a Aldeia se deve caracterizar como um espaço ecuménico.

Ticha disse...

Ser pai/mãe é um Amor incondicional e a esperança a última a morrer. Atitudes dessas são de louvar...Se Deus existe, onde está nestas ocasiões, que permite que crianças sofram desta forma?!!

Inspector Serôdio, José Serôdio disse...

Senhora Engª (e ateia?) Ticha,

Deus não está no sofrimento das crianças, mas no amor daquele pai, no desvelo da mãe mas no amparo e força que dá a todos quantos, perante um sofrimento incompreensível e atroz, encontram e dão o que de melhor têm.

Deus não ama nem se compráz com o sofrimento, mas ama aquele que sofre e ajuda quem O procura.

Bottled (em português, Botelho) disse...

Cara vizinha ticha,

Já pensou em encarar essa questão, que coloca a si mesma e que eu tanta vez coloquei a mim mesmo, por outro prisma?

Porque razão Deus terá de ser interventivo? E, porque motivo existirão milagres para uns e para outros não? Isto de um Deus ser justo, ser Amor Incondicional e Clarividência e, ao mesmo tempo, beneficiar aqueles que O seguem em detrimento dos restantes, sempre me deixou grandes dúvidas.

Sabe, acho que cada vida tem um objectivo e está intimamente interligada com as restantes, nomeadamente as que lhe estão mais próximas.

Poderia discutir o assunto por tempo indeterminado, até a questão da vida para além da morte ou da reencarnação, mas a verdade é que é na crueldade de algumas situações que nos encontramos ou encontramos forças que desconhecíamos em nós.

O que não é impeditivo de sofrimento para além do imaginável, de dor sem tréguas e de uma situação de impotência face a certas e determinadas situações que nos deixa, a todos, arrasados.

É o mundo dual onde vivemos. Mas já pensou o que é um Deus teria de fazer se fosse realmente intervencionista?

Acredite ou não, já me deixou espiritualmente confortado por saber que compreende, mesmo sem ainda ter sido mãe, o grande objectivo da maternidade: amar incondicionalmente.

Espero, sinceramente, que um dia tenha a possibilidade de colocar esse amor em prática. Irá, certamente, experimentar uma das mais deliciosas sensações da existência humana.

Caro Senhor Inspector,

Desde que na prática o ser humano tenha em seu coração o amor, a bondade, o carinho, a solidariedade, o respeito e a fé em algo de divino, seja qual for a religião ou o credo que siga, a palavra de Deus, tornada acção, habita em si.

Por isso, católico, hindu, muçulmano, budista, judeu, enfim, toda uma panóplia de religiões que existem na Terra, se tratares o teu semelhante como gostarias de ser tratado por ele...

Mas isto já é entrar no campo da teologia, e eu deixo isso para os profissionais.

Hic Hic Hurra