terça-feira, 20 de dezembro de 2005

Portugal no seu melhor - Descobrimentos (Parte III)

Acta Terceira
Corre o Ano do Senhor de Mil Quatrocentos e Vinte Um e aqui estamos novamente reunidos em Concílio, neste Mosteiro ermo que não podemos nem devemos identificar (prezamos muito todos os componentes de nosso corpo físico), os seis monges da vida airada do costume.
Se bem Vos lembrais, Vós que tendes paciência para ler estas linhas, em nosso anterior Concílio enviámos um jovem fidalgo para alto-mar, na esperança que ele por lá ficasse.
Pois bem, desde já escrevo que Gonçalves Zarco tem a protecção divina, pois nos dois últimos anos encontrou para Portugal, mercê de uma navegação precisa (é o que se pensa na Corte, pelo menos), duas ilhas perdidas em pleno Atlântico, a que ousou chamar Ilha de Porto Santo e Ilha da Madeira.
El-Rei não cabe em si de contente, e já o recompensou regiamente, tendo igualmente tido atenções régias quer para com o abade deste Mosteiro onde nos encontramos quer para connosco, permitindo-nos manter nossas cabeças coladas aos nossos pescoços (como é magnânima Sua Majestade... Que o Bom Deus nos Céus lhe permita uma longa e próspera vida).
O que El-Rei desconhece, e que não ousamos revelar-lhe (por motivos que não se prendem com receio de actos de vingança, mas tão-só porque não nos apetece), é o modo como ambas as Ilhas foram descobertas e que constam do diário de bordo do jovem João, cujos excertos mais relevantes entendemos que devem ficar registados nesta Acta, com o voto contra do Irmão Low-San (mas esse também está sempre contra tudo e contra todos, em bloco).
Aqui vai:
"Queridos mamã e papá,
Hoje decidi que iria relatar os factos mais importantes da minha vida marítima num diário e que o iria dedicar a Vós, que mais tarde, quando soubessem e pudessem ler (no teu caso, mamã, quando alguém Vos ensinar e no teu caso, papá, quando a ressurreição for uma realidade terrena) certamente que muito o apreciariam.
Hoje já levo uma semana de mar. É tudo muito azul... o céu, a água (que, por sinal, não se deve beber, segundo me foi dito hoje pelo meu contramestre... tomara eu que ele me tivesse fornecido tal informação antes, uma vez que estava constantemente a achar que a água tinha um sabor estranho e, ainda por cima, me deixava com mais sede).
Foi-me dado o comando de uma caravela e isto é muito giro. Um bocado enjoativo (os vómitos e o mau cheiro incomodam-me um bocado), mas divertido. Adoro colocar-me ao leme... o resto da tripulação não gosta muito, vá-se lá saber porquê e tenho de os mandar açoitar para que fiquem sossegados durante as minhas manobras navais e impedi-los de se atirarem borda fora, o que também acontece com frequência sempre que tento disparar o canhão (a propósito, outro dia afundei uma nau que viajava a nosso lado e agora tenho mais gente para assistir às minhas incríveis perícias náuticas... outro dia perguntei a meu imediato o que achava ele da minha destreza no leme e ele virou-me as costas, pelo que acho que o homem deve ter um qualquer defeito auditivo. Parece-me, igualmente, que o ouvi murmurar qualquer coisa do género: antes enfrentar dois furacões e um tsunami de uma vez só, mas deve ter sido apenas impressão minha).
E assim vou passando os dias, aos quais já perdi a conta. Agora vou preparar-me para o jantar, tenho de estar apresentável. A comida é razoável... o cozinheiro não é um primor no asseio e higiene, mas os resultados finais acabam por ser acima das expectativas iniciais.
Até breve.
JGZ”
Por ter interesse, aqui se transcrevem também os relatos feitos no diário de bordo dos dias em que descobriu cada uma das ilhas:
“Querido Diário,
O dia hoje amanheceu soalheiro. Sopra uma pequena brisa de nordeste (não penses que já domino esta linguagem naval, foi o meu contramestre quem me ensinou os termos). Estás lembrado que de início considerava o contramestre um bruto que me olhava de modo esquisito. Pois bem, desde ontem que acho que ele é uma das pessoas mais meigas do mundo. Lamento, também, não poder escrever sentado, mas tal foi fruto da noite passada bem junto do contramestre.
Ele é um homem do Norte, veio do Porto... mas agora que o conheci intimamente, acho-o um verdadeiro Santo. Estraga-me com mimos. Por ter esse feitio tão gentil decidi baptizar uma pequena ilha que hoje nos apareceu no horizonte (finalmente, Terra!) com o nome de Porto Santo. Foi uma singela homenagem, que o deixou profundamente comovido (penso ter visto uma lágrimazita traiçoeira a verter-se de seu olho esquerdo) e teve ainda o mérito de não ter sido reconhecida pelos restantes tripulantes, que até concordaram com o nome. Sei que o meu querido contramestre anda orgulhoso e inchado face à homenagem que lhe prestei, e logo à noitinha, quando todos dormitarem o sono dos justos, irei cobrar os dividendos da minha acção.
Agora vou indo, já que ele me anda a lançar olhares gulosos e eu tenho de manter a postura ante os outros.
JGZ”
“Querido Diário,
Tem sido um ano de loucos, o meu anterior contramestre, Tristão porque nos zangámos, decidiu deixar-me só ao comando da Caravela e abandonou-me a meio da noite, na companhia de um escravo negro vindo das Áfricas.
Vi-me, assim, forçado a nomear um outro, o Bartolomeu, a quem já me tinha igualmente afeiçoado e que, por sinal, também é meigo e gentil, sendo ainda fisicamente dotado. Com efeito, nunca vi órgão semelhante... se na linguagem popular se costuma dizer que um homem tem um grande pau, aquele ali tem, definitivamente, um verdadeiro barrote de madeira. Aliás, foi em homenagem a seu penduricalho que decidi baptizar a nova ilha que avistei hoje... baptizei-a de Ilha da Madeira. Mal posso aguardar pela minha recompensa de logo, em privado, nos meus aposentos.
Vou-me preparar para ela: não sei o que vestir... se bem que as roupas também não aguentem muito em nossos corpos!
Quando recuperar da fiesta voltarei, meu querido diário.
JGZ”
Nada mais havendo a registar, lavrou-se esta Acta que pelos presentes irá ser assinada (assim que o Irmão Suarez acordar... o que leva sempre o seu tempo) e posteriormente lacrada e encerrada em cofre que permanecerá em local secreto pelas razões já de todos sobejamente conhecidas.

1 comentário:

Anónimo disse...

Cool guestbook, interesting information... Keep it UP
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