quinta-feira, 19 de junho de 2008

Vilarinho das Furnas

Estive há 10 dias em Vilarinho das Furnas, hoje uma barragem sita na Serra do Gerês, outrora uma aldeia comunitária, fundada há muitos séculos nas margens do rio Homem.
Não resisto a transcrever aqui imprecivo texto sobre o mmodo de vida na aldeia, até ao século XX. Assim se percebe como é em Trás-os-Montes (e Minho a ele chegado) que ainda se preserva uma autenticidade (na lapidar expressão de Torga) muito portuguesa, que se confunde, a meu ver, com a essência do ser humano gregário.



Vilarinho da Furna era uma pequena aldeia da freguesia de S. João do Campo, situada no estremo nordeste do concelho de Terras de Bouro.
Segundo uma tradição oral teria começado a sua existência por ocasião da abertura da celebre estrada da “ Geira “ , que de Braga se dirigia a Astorga num percurso de 240 Km, e daqui a Roma. Estaríamos segundo a opinião mais provável, pelo ano de 75 d.C.. Um grupo de sete trabalhadores, assim reza a tradição, resolveu fixar-se junto da actual Portela do Campo. Passado pouco tempo, por motivos de desentendimento, quatro desse homens deixaram os sues colegas e foram instalar-se a poucos metros da margem direita do rio Homem, dando, assim, inicio á povoação de Vilarinho da Furna.
Em suma, tudo o que hoje se pode dizer sobre o nascimento de Vilarinho da Furna se resume num levantar de hipóteses. Todavia, no meio de toda esta incerteza, um facto se apresenta incontestável : se não a sua origem romana, pelo menos a sua romanização, os romanos chegaram, viveram, passaram e deixaram rasto. Atestam-no as duas vias calcetadas que davam acesso a povoação pelo lado Sul e, sobre tudo, as três pontes de solida arquitectura.
Como a maior parte das aldeias serranas do Norte de Portugal, Vilarinho da Furna era constituído por um aglomerado de cassas graníticas, alinhadas umas pelas outras, formando ruelas sinuosas. As casas de habitação compunham-se geralmente de dois pisos sobrepostos e independentes : - uma loja térrea, destinada aos gados e guarda de alfaias e produtos agricultas; e um primeiro andar para habitação propriamente dita, onde ficavam a cozinha e os quartos. O mobiliário era simples e modesto. Alguns objectos como louças, candeias, talheres, lanternas, etc., eram comprados nas feiras ou a vendedores ambulantes que passavam pela povoação mais ou menos regularmente. Outros eram de fabrico caseiro como as arcas, camas de madeira, raramente ornamentadas com motivos religiosos, as mesas e os bancos, além da quase totalidade dos artigos de vestuário. A iluminação nocturna era feita com uma variedade de candeias e candeeiros de recipiente fechado, que funcionavam a petróleo, com gordura animal ou azeite, quando aquele escasseava por alturas da guerra.
Todos os habitantes de Vilarinho da Furna, ai residentes, praticavam a religião católica, sendo motivo de forte critica por parte dos outros e o eventual não comprimento dos deveres religiosos.
O povo de Vilarinho, além do acatamento das leis vigentes do seu País, tinha também as suas leis internas que eram respeitadas e, escrupulosamente cumpridas. Para isso havia uma junta que era composta por um Zelador (antigamente Juiz9 acompanhado por seis membros.
Para esta assembleia dos seis podiam ser eleitos os chefes de família, tanto homens como mulheres, estas nessa qualidade, quando em estado de viuvez ou ausência do marido, devido à emigração. O sexo feminino podia eleger e assistir às reuniões da Junta, porém, nunca podia ser escolhido para o alto cargo de Zelador, pois a nomeação deste era feita de entre os homens casados, por ordem cronológica do consórcio.
As eleições para a escolha dos Seis e substituição do Zelador eram realizadas de seis em seis meses. Os Seis que cessavam as funções, transmitiriam aos sucessores, na presença do novo Zelador e do Zelador cessante, os assuntos pendentes e o dinheiro em cofre.
Em tempos, o Zelador antes do início da reunião, jurava sobre os Santos Evengelhos e, no acto da sua posse, impunhava a vara das cinco chagas, jurando, assim, obediência a todos os vizinhos.
A Junta reunia, normalmente, todas as quintas-feiras. Para isso o Zelador, ao raiar da aurora, tocava uma buzina (búzio) ou um corno de boi, chamando os componentes da Junta. Ao findar o terceiro toque, espaçadamente, dirigia-se para o largo de Vilarinho, levando uma caixa onde se encontravam as folhas da lei. Seguidamente, o Zelador procedia à chamada, aplicando aos faltosos uma "condena2 de 50 centavos, a não ser que uma pessoa de família comparecesse justificando o motivo da ausência. Porém, aqueles que faltassem todo o dia sem apresentar qualquer justificação, eram condenados a pagar 5$00. A reunião da parte da tarde não se realizava no largo da aldeia, mas, sim, junto aos campos, na ponte romana sobre o rio Homem. Era nestas assembleias que se determinava os trabalhos a realizar e as "condenas2 a aplicar. Depois de todos terem discutido os vários assuntos respeitantes à vida da aldeia, os seis reuniam-se para deliberarem, vencendo sempre a maioria e tendo o Zelador voto de qualidade. Os assuntos principais incidiam sobre a construção e reparação dos caminhos, muros e pontes de serventia comum, a organização pastoril (vezeiras e feirio), organização dos trabalhos agrícolas (malhadas, desfolhadas, vindimas, roçadas, etc.) e, ainda, a distribuição das águas das regas, etc.
As atribuições do Zelador eram tais, que poderia, em caso muito grave, expulsar o vizinho, isto é, margina-lo totalmente da vida social e sistema comunitário. Ele era também o Juiz de todos os crimes, com excepção para o homicídio por ser da competência dos tribunais.
Havia um puro sentimento de solidariedade que envolvia este povo e a sua força de unidade, traduzia-se no lema de todos por todos.
Muito haveria a dizer do regime comunitário de Vilarinho, um povo que deixou a todos nós, uma história e um exemplo.
O espectro da barragem começou a pairar sobre a população como um abutre esfaimado. A companhia construtora da barragem chegou, montou os sues arraiais e meteu mãos á obra. Esta surge progressiva e implacável. O êxodo do povo de Vilarinho pode localizar-se entre Setembro de 1969 e Outubro 1970, quando na aldeia foram afixados os editais a marcar o tapamento da barragem. De um ano dispuseram pois, os habitantes de Vilarinho para fazer os seus planos, procurar novas terras e proceder á transferencia dos seus moveis.
As 57 famílias que habitavam esta povoação, estão agora dispersos pelas mais variadas terras dos concelhos de Braga.
Da vida e recantos da aldeia comunitária não resta mais que um sonho . Sonho que é continuado no Museu Etnográfico de Vilarinho da Furna, construído com as próprias pedras da aldeia.
A barragem de Vilarinho da Furna foi inaugurada em 21 de Maio 1972.




Para além da beleza natural do local, impressionante é visitar a dita aldeia. Para isso, o ideal é ir no Outono, quando a barragem estiver a um nível de enchimento relativamente baixo. Então, pode-se entrar a pé enxuto e deambular pelas ruas da hoje submersa aldeia, por entre as memórias de gerações que habitaram as casas, com as paredes anda de pé. Impressiona mesmo, e se tiverem a experiênncia que eu tive, num Outubro dos idos de 80, em que, sozinho, num silêncio sepulcral, por ali andei...

7 comentários:

Bottled (em português, Botelho) disse...

Caro Senhor Inspector,

Pronto.

V. Senhoria convenceu-me a ir ao local um destes dias.

Mas garanto-lhe que não me irei deixar surpreender sozinho, num silêncio sepulcral, e só espero que V. Exa. não estivesse agachado, absorto, a analisar alguma relíquia histórica...

Há quem diga que, ao contrário do que sucedeu ontem em Basileia, foi assim que a Alemanha perdeu a guerra!

Hic Hic Hurra

Unknown disse...

Bonito artigo, bem redigido e bem documentado.

Nunca vi a aldeia de Vilarinho, embora conheça a barragem e arredores, relativamente mal, devo dizê-lo. Este mês, no entanto, tenciono passar por ali uns 3 ou 4 dias a fotografar. Uma dúvida: em que zona da albufeira fica a aldeia e qual é o melhor acesso?

Luís Cerqueira
ludwig915@gmail.com

Dylan disse...

Realmente Vilarinho das Furnas continua a ser um lugar sinistro mas encantador.

sabar disse...

.... simplesmente encantatória, acabei de chegar de uma peregrinaçao de amizade por essas terras .... disseram me que a alma dessa gente migrou para cidades como braga, porto ponte de lima, onde continuam " a fazer vinho com carinho ":) muito bom !

Alvaro Vasconcelos disse...

Visitei os restos do chamado museu,registei o pagamento da passagem(3,00€) como uma ofensa grave pela forma como somos recebidos e informados com algum desprezo pelo homem que levanta a cancela.....

Este museu é usado como praia, não tem um caixote de lixo nem uma placa a informar quem se atira à água cheia de pedras submersas..
Deixo aqui o meu desgradável registo que vale o vale.

Obrigado

José disse...

Encantador simplesmente. OBRIGADO AOS ROMANOS

Anónimo disse...

é linda a ldeia
passei lá umas horas a desfrutar daquela natureza formidável...
fartei-me de tirar fotos lindíssimas,adorei e aconselho a visitarem porque vale realmente a pena...
concordo que deveria ter mais informação mas as imagens falam por si...