quarta-feira, 2 de abril de 2008

Da hipocrisia e outras lusitanas virtudes

Andava eu a roer aqui o assunto e regressou o Zé ao serviço, tendo-me espicaçado com o seu post, em tom mordaz, sobre o povo mais violento do mundo. Por isso, aqui vai.

Há uns tempos li ou ouvi em qualuqer lado que o Comité Olímpico Português (COP) havia endereçado convites às altas individualidades do Estado para irem a Pequim assistir à cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos (JO) de 2008. Continuava a notícia dizendo que pelo menos o Ministro da Presdiência e o Secretário de Estado do Desporto (e julgo que mais alguém) já tinham confirmado a sua presença, que aguardavamm ainda confirmação do Primeiro Ministro e que o Presidente da República tinha declinado o convite alegando ter já férias marcadas para a altura.
Isto vinha a propósito das então recentes manifestações no Tibete e subsequente repressão chinesa. O Presidente do COP afirmou ser contrário a qualquer sorte de boicote aos JO por, no seu entender, não se deverem misturar questões polícicas com desporto.
Nos últimos dias temos assistido às mais variadas reacções aos aconntecimentos no Tibete, quer vindas de políticos, quer de desportistas, culminando no atraso da passagem da chama olímpica, antes de ontem, salvo erro.

Neste país cada vez mais abúlico e politicamente correcto (v. artigo de António Barreto aqui postado), onde o V Império profetizado por Vieira, Pessoa e Agostinho da Silva está deixando de ser uma utopia para se ficar pelo mero sonho esquecido, só se preocupam com os mínimos, as possíveis medalhas e quanta gente vai caber nos aviões fretados para o evento.
Sim, porque, há boa maneira provinciana e mesquinha, perder a oportunidade de ir à borliú e em 1.ª classe passear ao outro lado do mundo, comer bem e dormir melhor, receber umas meninas de palmo e meio no quarto para umas massagens com sexo incluído, tudo sob pretexto de ir representar condignamente a Nação, é que não pode ser!
E sempre estariam a oposição pronta para zurzir o Governo pela indesculpável e lesiva dos superiores interesses da pátria omissão (até porque haverá sempre uns lugarzitos em turística para os senhores deputados)...

Entretando, mais monge menos monge, mais bastonada menos bastonada, aquilo também fica ali tão longe, atrás dumas mintanhas altas comó caraças, a gente que até gosta de ouvir os ensinamento do Dalai Lama - tipo simpático, esse, sempre de sorriso na cara, que até nem se deve importar muito com a ocupação dos chinocas...
É até curiosamente triste a posição de certo partido português, grande defensor da liberdade e dos direitos humanos, que até seria incapaz de convidar organizações terroristas para eventos seus, que considera um modelo de desenvolvimento político o regime cubano e tem dúvidas que a Coreia do Norte não seha uma democracia, que nada diz sobre o assunto!

Pois é, mas venham os senhores políticos deste país explicar-me o que diferencia a luta em que se empenharam em Timor da presente situação no Tibete; ou o princípio da auto-determinação dos povos é só para alguns?
A hipocrisia, essa assassina de tantos e tantos milhões de inocentes, varre todas as latitudes - vejam-se os interesses por detrás do reconhecimento ou não da unilateralmente declarada independência do Kosovo (Portugal, uma vez mais, cobardemente, declarou-se neutral).
Neste quadro, curioso se torna notar como, vai fazer agora 45 anos, um luminoso papa - João XXIII (o mesmo que despoletou o Concílio Vaticano II) -, publicou a encíclica Pacem in Terris, onde já se fazia expressa referência ao direito dos povos à auto-determinação, documento que, como devem imaginar, causou sérios incómodos ao católico e conservador regime luso de então, a braços com a Guerra do Ultramar.

A China, esse colosso demográfico e já económico, assusta muita gente: vem cá esse perigoso terrorista, o Dalai Lama, e logo se insurge e ataca, com vagas e imperceptíveis ameaças, fazendo com que os nossos valentões governantes se coibam de receber a personagem com as honras e dignidade que merece; se queremos telefonar a alguém em Taipé, ai Jesus que a China já não mandas aqueles milhões que prometeu investir (muita gente não sabe, mas deixamos de ter representação diplomática de Taiwan por alturas do 25 de Abril).

Devo confessar que, apesar de tudo, parece-me que o boicote aos JO nada resolve e poderá ter mesmo o efeito contraproducente de acirrar a repressão sobre os tibetanos. Isto apesar de hoje em dia os JO terem perdido boa parte do espírito incial que os fundou e idealizado por Pierre de Coubertin.
Mas também considero que não podemos continuar impávidos e serenos a assistir às prepotências e genocídio cultural no Tibete, devendo-se aproveitar este acontecimento com visibilidade à escala mundial para marcar, de forma definitiva, a posição dos povos que se afirmam democráticos e defensores dos elementares direitos humanos.
Também entendo que a reacção não se deve circunscrever à esfera política e do relacionamento entre estados, mas antes estender-se a cada cidadão e, especialmente, aos atletas que participam nas olimpíadas. Estes estão convocados, em nome de uma consciência individual cívica, a denunciar a barbárie do regime chinês. E tal não apenas assinando as inúmeras petições on-line ou acendendo uma velinha no parapeito da janela, apaziguando eventuais sobressaltos interiores (porque uma noite bem dormida é imprescindível ao bom desempenho desportivo!).

Ontem escutei uma proposta de alguns atletas, julgo que alemães ou polacos, para que competissem em Pequim de braçadeira com as cores do Tibete. Ora aí está uma excelente medida para dar visibiliade à causa, mas muitas outras se poderão aventar, ficando ao critério de cada um.
É que o pior que podem fazer à China não é deixar de comer nos restaurantes chineses que polulam pelas nossas cidades; nem tampouco fazer marchas, mais ou menos silenciosas pelas ruas das capitais europeias; e muit menos enviar umas cartas de protesto para as embaixadas.
O que lhes fará indiscutivelmente mossa é desviar o olhar do mega-evento que se preparam para apresenatar ao Mundo - símbolo de uma China próspera, pacificada e capaz de ombrear com qualquer país - para a tirania e opressão que um regime totalitário, centralista e sem escrúpulos continua a praticar.

Saibamos estar, e sofrer, a todos os níveis de intervenção, com o martirizado povo tibetano.

1 comentário:

Bottled (em português, Botelho) disse...

Caríssimo Senhor Inspector,

O revisor do texto está de férias, não?

Já vi que, com um pequeno e nada inocente texto, criei um monstro!!!!

Mais a sério, se o Tibete tivesse Petróleo e não fosse a China a invasora talvez Mr. President George W. Bush enviasse os rapazes do Iraque para Lhasa. Que sempre é parecido com casa!

Hic Hic Hurra