segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Vamos tratar-lhes da saúde?

(ou, Uma visão muito pessoal sobre o Sistema Nacional de Saúde em Portugal)
Ainda recentemente foi dado público conhecimento do falecimento de mais duas crianças antes da chegada às urgências hospitalares a que pertenciam.
Para além de se lamentar, e muito, a perda da vida humana (ainda para mais, tratando-se de crianças), houve um necessário e evidente aproveitamento da situação dramática para se fazerem críticas ao Governo, procurando-se um nexo causal que, inexistindo ou não (desconheço-o), levaria à conclusão de que estas seriam as temidas consequências do encerramento de várias urgências por este país fora e com o consequente aumento do tempo de chegada aos primeiros socorros que devem ser prestados a todos os que correm sério risco de vida.
E gostaria de, nesta pequena reflexão escrita, salientar precisamente este ponto: é da vida humana que falamos e é ela, tem de ser ela, o valor essencial que deve estar presente em cada Sistema de Saúde, seja ele português ou não.
O direito à vida é constitucionalmente garantido a todo o cidadão, mas é um bem cuja natureza é supraconstitucional, radica nos princípios fundamentais da própria existência humana, constituindo missão de qualquer Estado civilizado a sua protecção, em termos adequados.
O direito à assistência na doença não pode ser dissociado deste direito à vida, embora nem sempre este seja uma consequência daquele.
E já que falamos de consequências, neste ponto do raciocínio parece-me que não cumpre aqui discutir qualquer relação de causa-efeito entre as mortes e a medida governamental que, bem ou mal, foi tomada. Seria, a meu ver, uma discussão que apenas poderia levar a um acumular de interrogações, à semelhança do que sucede quando temos a garantia que existe uma relação dessa espécie entre o ovo e a galinha mas não conseguimos apurar qual deles apareceu em primeiro lugar. É uma consequência provável e possível, parece-me que sim, mas nem sempre assim será.
O que me salta à vista, desde logo, com esta medida é algo que eu considero secularmente sedimentado, ou seja, ninguém gosta que lhe retirem direitos.
Ainda para mais se esses direitos beliscam de imediato ou podem vir a beliscar futuramente a sua própria saúde ou a dos mais chegados.
É estranho que o poder político tenha chegado, em tempos, à conclusão que era necessário fazer-se um investimento na saúde através do reforço das urgências hospitalares para, poucos anos volvidos, vir constatar, afinal, que assim já não se justificava.
E é nesta constatação, irrefutável, que condenamos as medidas tomadas pelo Governo nesta área, pois ainda ninguém me conseguiu convencer da frieza dos números que tornavam extremamente necessária e imperiosa, em nome de um rigor orçamental que todos sabemos ser uma utopia em Portugal, uma reestruturação do Sistema Nacional de Saúde efectuada à custa daqueles que, precisamente, mais necessitam de atendimento imediato e urgente.
Com efeito, se as listas de espera dos doentes normais continuam a aumentar, o mesmo sucedendo com aqueles que aguardam a marcação de cirurgias (algumas, até, de risco considerável), se o atendimento nos Hospitais, pese embora o empenho e devoção de alguns, ainda deixa muito a desejar, se a dívida astronómica e galopante do sector público à indústria farmacêutica entrou em derrapagem e não se vê maneira de se conseguir a sua estabilização e se, ainda por cima, quando estamos aflitos temos de pedir a nós próprios, ao nosso corpo, que faça o favor de se aguentar por mais uns minutinhos ou horas até chegarmos às urgências, só podemos concluir que quem precisa de ir às urgências é o próprio Sistema Nacional de Saúde.
Contudo, à imagem destas medidas agora tomadas, receamos que a urgência que lhe fique mais próxima também se mostre encerrada, tal como a saúde de todos nós.
E a cura, haja ou não nexo causal entre uma situação e outra, faz-se, como sempre, na morgue e à nossa custa!
Hic Hic Hurra
Nota - Neste(s) Campo(s) estou como os restantes parceiros europeus no que toca ao crescimento económico para 2008: pessimista. Com a vantagem inegável de, na parte económica, não ser o único que discorda das projecções do nosso Governo.

2 comentários:

Ticha disse...

É o que não me canso de dizer: desde quando a saúde, educação são para dar lucro?!! a custo de quem se poupa em saúde? a custo de vidas humanas". Quase todos dias tenho "discussões" sobre isto, porque as pessoas acham bem as medidas do executivo, mas quando nos bate à porta e em vez de ser "uma criança" é a "nossa criança" é que são elas.

Bottled (em português, Botelho) disse...

Cara vizinha,

Voltámos aos tempos do Mercantilismo.

Só que agora ele é público!

Hic Hic Hurra