quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Quando a fé movimenta milhões



E não nos estamos a referir aos fiéis.
Vem este texto de hoje a propósito da construção da nova Igreja da Santíssima Trindade, em Fátima, obra divina que terá custado uma quantia que rondou os 80 milhões de euros.
Não se coloca em questão o espaço do Santuário de Fátima que, inegavelmente, representa um dos maiores fenómenos de culto à escala mundial, onde apenas quem o pisa poderá sentir no ar o ambiente especial que ali se vive, com centenas e às vezes milhares de peregrinos ou apenas viajantes, já para não falar nos membros do Clero, presentes em impressionantes demonstrações de fervor religioso.
Não pretendo, igualmente, deixar de referir que a Igreja, qualquer que seja, tem necessariamente de admitir que representa um papel social do qual não se poderá alhear e que, tal como em todos os centros organizados, no seu seio existe o fruto bom e a podridão.
Esclarecendo à partida que não me incomoda a obra realizada, não posso deixar de revelar a minha estupefacção pelos gastos tidos com a mesma.
Atenção, não é que o local não o merecesse, não está em causa a fé, nem sequer a adoração a Nossa Senhora de Fátima.
No entanto, o conceito de casa do Senhor na terra, que está implícito e subjacente à noção intemporal de Igreja, que vem subsistindo desde tempos imemoriais, não se compadece, a meu ver, com tamanhas manifestações exteriores de riqueza, ainda que as justifiquem com a beleza das mesmas, com o reforço da fé, com o tributo devido às divindades ou com a simples necessidade de aumentar a força da religião.
Não!
Em minha modesta opinião, a Igreja cumpre parte do seu papel universal quando é a primeira a compreender e a tentar transmitir a todos os que frequentam a casa do Senhor os grandes valores religiosos e, tal como me custa ver sucessivos Governos a desprezar as necessidades mais primárias dos cidadãos, devo confessar que tenho idêntico sentimento sempre que tomo conhecimento deste tipo de gastos e olho para o mundo e vejo fome, pobreza extrema, seres humanos sem auxílio e, sabe-se lá quantos deles, rezando como só os que sofrem sabem rezar por uma ajuda que tarda em aparecer e que, se calhar... se calhar... poderiam ser tristes realidades evitadas ou minoradas com o encaminhamento destas quantias para causas humanitárias, para missões espalhadas pelo mundo que lutam, diariamente, com problemas monetários, onde muitos, às vezes no limiar das respectivas forças, desesperam pela obtenção de bens que qualquer um de nós possuímos no dia-a-dia e acabam, angustiados, de coração a sangrar, vendo definhar e desaparecer crianças, homens, mulheres e idosos sem que o possam evitar por falta de meios.
São as contradições do mundo moderno, onde nos empenhamos e esforçamos em prol da melhoria da nossa condição de vida e nos esquecemos de olhar para o parceiro do lado, para o vizinho que sofre, para quem está (cada vez mais) aflito e não vislumbra a luz ao fundo do túnel.
E, pelos vistos, nem sequer na casa de Deus.
Senhor, perdoai-lhes porque eles não sabem o que fazem.
Hic Hic Hurra
Nota - Aproveitem os comentários para bater aqui no ceguinho. Desde já afirmo que, não importa quantas restrições o ser humano lhe possa colocar, ainda tenciono usar muitas vezes a liberdade de pensamento e de expressão que Deus me deu. E, relembro-o, esta é uma opinião muito pessoal e com a qual, admito-o desde já, podem não concordar. Ficaremos amigos como antes, sempre!

3 comentários:

Inspector Serôdio, José Serôdio disse...

Há uns anos, quando se anunciou a construção do enorme templo, tive precisamente a mesma posição que o Zé: crítico do dispêndio de tantos milhões quando há tanta carência material por esse mndo fora.

Hoje, tenho que admitir que já não sou tão radical. Não sendo um devoto de Fátima, acredito nas aparições, sou (como já sabem) Católico, Apostólico, Romano e, acima de tudo, penso que o Santuário é um espaço de paz recolhimento e de encontro com Deus e connosco mesmos.

Daí que seja forçado a admitir que faz falta em Fátima um local que possa albergar, com um mínimode condições, os milhões de peregrinos que ali afluem todos os anos, sendo certo que a já antiga Basílica não leva quase ninguém, estando votada ao abandono nas grandes celebrações (e nem sequer falo dos 13 de Maio e Outubro).

É indubitavelmente discutível - e deve ser discutido - a opção feita, quer quanto aos custos, quer quanto à envergadura, mas hoje tendo a admitir que se justifica.

De um ponto de vista economicista existe mesmo uma outra linha de argumentação.
Como é sabido, o Santuário de Fátima dá lucro (e que lucro!), canalizando muitas verbas para outras instituições da Igreja de cariz social. Ora, pode a nova Igreja da Santíssima Trindade ser vista como um investimento que irá gerar novas receitas, estas a ser aplicaas em causas de índole social (atente-se nos milhares de visitantes que ali já se deslocaram apenas para apreciar a arquitectura, ou aqueles que lá irão porque já estão reunidas melhores condições de acolhimento).

Finalmente, e não podia deixar esta laracha, custa-me aceitar ver críticas de algumas pessoas que, estando fora da Igreja, mesmo que se digam crentes (de que Deus?...), adoram atirar pedras à instituição.
Meus amigos, a primeira função da Igreja, enquanto conjunto organizado de crentes (chame-se-lhe Instituição), é a de propagar a Fé legada por Nosso Senhor Jesus Cristo, sendo que o apoio a causas sociais e humanitárias é já uma consequência da mensagem que difunde e que deve praticar. Por outro lado, a Igreja é formada por homens, pecadores pro natureza, logo é a própria Igreja imperfeita e sujeita ao humano erro.
Mas é quem a forma e está dentro dela, com as suas limitações, que a deve permanentemente criticar, de forma construtiva, de modo a melho servir o seu Criador e, necessariamente, a humanidade, porque acredito (e olhemm que custa praticá-lo) que viemos ao Mundo para servir, não para ser servidos, e é nessa missão de serviço que a Santa Madre Igreja melhor pode alcança o seu desígnio.

Daí que posições do estilo «sou católico mas não praticante»;
«acredito em Deus mas não vou à missa porque existe muita hipocrisia na igreja», etc. reputo de comodistas e as críticas vindas de quem as professa não me mereçam grande crédito.

Claro que este arrazoado não se aplica ao nosso amigo Zé, verdadeiro Homem de Deus, ainda que possa não o saber.

O grande bem haja.

Amen!

Bottled (em português, Botelho) disse...

Meu caro Inspector,

Bem haja pelo S. comentário, de valor inquestionável.

Permita-me, contudo, dois pequenos reparos...

O primeiro é o de que, como já sabe, eu não atiro pedras aos telhados dos vizinhos, pois os meus são todos engarrafados, logo, feitos de vidro.

Em segundo lugar, existem vários tipos de críticas e de críticos, que resumiria a dois: as/os contrutivas/os e as/os destrutivas/os. Aceito esta separação, porque me parece que ela resulta da vida.
Já não posso concordar é, e vai-me perdoar por isso, que a Igreja se feche sobre si mesmo e apenas escute, como resulta do comentário, as opiniões e críticas internas, antes prefiro pensar que ela se encontra vocacionada para o exterior e sensibilizada a tudo o que a possa aproximar ainda mais de Deus, em tudo o que a possa tornar, verdadeiramente, a Sua casa neste mundo e, consequentemente, em tudo o que a aproxime dos homens.

Como Homem de Deus, praticante convicto e devoto, e porque Deus habita no seu coração (sei-o perfeitamente), por certo saberá perdoar esta minha opinião sobre o assunto que, precisamente porque não tenho por hábito frequentar a casa do Senhor, foi feita publicamente e não no privado ambiente de um confessionário.

Não tenho, nem sequer longiquamente, pretensões a criticar de forma feroz o comportamento da Igreja, esquecendo o bem que já fez ao longo dos tempos (se bem que, como bem referiu, muito por força de homens com responsabilidades no seu seio, não deixou de surgir associada a outras vertentes que não a prestigiaram).

Além do mais, quem sou eu para o fazer????!!!!!

Meu caro Inspector, já que falamos de crenças, deixe-me que lhe diga que acredito que Homens e Mulheres de Deus, mesmo sem o sabermos, somos todos, quer nos desloquemos à Igreja quer não!

E olhe que isto não tem qualquer ponta de ironia, pois muito prezo a conduta que leva no dia-a-dia e tenho o insubstituível prazer de o ter como Amigo, daqueles com os quais eu sei que posso contar.

Hic Hic Hurra

Inspector Serôdio, José Serôdio disse...

Meu amigo,

Longe de mim querer que a Igreja de feche sobre si própria, tanto mais que o seu papel é no mundo, virada para o exterior.
E todas as críticas «vindas de fora», desde que construtivas, são sempre bem vindas.
Agora, o que eu vejo é certas pessoas, arvorando-se em arautos da moralidade, atiram pedras quando são as primeiras a fugir da exigência da doutrina cristã, e isto para mim é inaceitável.

Da mesma forma que entendo que a Igreja instituição - que não os leigos - não se deve imiscuir nas questões políticas e mundanas (desde que não ponham em causa valores fundamentais como a Vida, a Liberdade ou outros Direitos Humanos), também a instâncias governamentais devem deixá-la em paz... na Paz do Senhor!

Agora, se eu deixasse que a minha fé ou convicções religiosas fossem pretexto para me zangar com quem quer que seja, estaria a renegar essa mesma fé. Esta deve ser sempre motivo de união, nunca de rancores ou guerras (daí o conceito «guerra santa» ser algo de contraditório em si).

E já agora, para que fique bem claro: a santidade não é um monopólio da Igreja. Há por aí muito santo que não põe os penantes na missa ou que nem conhece o Evangelho.
(só é pena que aos católicos santos não lhes prometam umas quantas virgens no céu...)