sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

O Código do Marquês

Hoje em dia, quando passamos por qualquer livraria, apercebemo-nos de que qualquer gato-pingado consegue escrever e publicar um livro.
Incluindo a Carolina Salgado.
Ou o Pedro Santana Lopes.
Mas a verdadeira profusão pode ser encontrada no romance policial histórico. Na verdade, raros são os autores que não passaram por lá.
E a verdade é que, actualmente, é muito fácil escrever um romance histórico.
Basta juntar uns quantos corolários na sinopse para atrair a atenção do consumidor.
Comecemos pelo herói ou heroína.
Quando o autor é um homem, o herói da história é normalmente masculino. E como esse autor é normalmente americano, o herói também o é.
Aliás, o que sobressai da análise do mercado é que a maior parte dos autores são americanos; as autoras são normalmente europeias.
No caso dos autores americanos, a heroína é sempre de uma de duas nacionalidades: francesa ou italiana. Isto porque a maior parte das histórias passam-se sempre em França ou na Itália e convém meter lá alguém da terra.
As autoras são mais diversificadas na escolha da nacionalidade das heroínas e dos heróis, mas existe sempre um ponto em comum: nunca meter lá pessoal de nacionalidade tuga, mesmo quando as autoras são portuguesas.
Passemos à história.
Aproveitando as ondas científicas de ataque ao catolicismo, normalmente um romance policial histórico tem sempre subjacente um segredo ligado:
a) A Jesus Cristo;
b) Ao Santo Graal;
c) A ambos.
Devo confessar que tenho um fraquinho pelos segredos ligados a Jesus Cristo. Desde ser casado com Maria Madalena, ter irmãos, ser irmão de Judas, ter sobrevivido à Crucificação graças ao Graal, ter um irmão gémeo, entre outros, o homem tem-se revelado ser um verdadeiro poço sem fundo de criatividade para novas histórias. A minha favorita ainda é aquela em que, na realidade, Jesus e os doze apóstolos mais não eram do que os precursores do orgulho gay e de que Judas entregou Jesus aos judeus por se sentir uma bicha enganada (aquele beijo de Judas tinha de ter algo significado).
Depois disto, temos de meter uma das velhas ordens medievais ao barulho, desde os Templários ao Cátaros, passando pela Maçonaria (se não são medievais, parecem) e pelo inevitável Priorado do Sião.
Depois disto, há que arranjar um mau da fita, normalmente um católico de extrema direita, ou uns quantos cardeais do Vaticano.
Arranja-se um guia turístico, algumas perseguições e situações absurdas das quais os heróis sempre se conseguem safar (eu normalmente nunca os faria sobreviver ao primeiro capítulo) e já está… pronto a vender.
Como o referido estilo literário já me começa a chatear, só pergunto isto: para quando o lançamento do 2.º volume das memórias da Carolina Salgado?

2 comentários:

Bottled (em português, Botelho) disse...

Senhor Marquês, Excelência,

Eu próprio, em breve, irei tentar escrever um policial meio romance histórico, só para contrariar essa sua ideia.

Em primeiro lugar, o herói vai ser um Inspector, chamar-lhe-ei Serôdio.

Depois, tem de haver um crime religioso... vai ser um crime de violação, em que a vítima se fartou de gritar: - Ai, meu Deus! Valha-me a Virgem Maria! Jesuuuuuuus!!!!

Não vai haver heroína (nem cocaína, só cogumelos mágicos e tinto do bom), apenas uma relação lésbica entre a cadela do Inspector e uma pulga que lhe salta para o lombo e lhe dá uns chupões valentes!

Depois, há o suspeito da prática do crime, um sujeito que é líder partidário de um partido de esquerda que, armado de foice numa mão e martelo na outra, teria sucumbido aos prazeres carnais e cometido violação sobre uma colega, a vítima, do mesmo partido, numa viela escura à saída do hemiciclo.

No meio do enredo, vem-se a descobrir que o suspeito é, afinal, filho ilegítimo do Inspector e coloca-se, então, a divisão interior mental no herói sobre o que deve prevalecer: o sentido do dever profissional, que o obriga a denunciar quem praticou o crime hediondo, ou os valores do sangue, que o impedem de denunciar um filho que descobre seu, impedindo assim que este venha a pagar pelo sucedido.

A solução para o drama surge, inesperadamente, numa Taberna onde o Inspector vai afogar as mágoas em Tinto Carrascão, onde um anónimo bebedor que também escreve para um blog pouco conhecido, lhe faz sentir que, qualquer que seja a decisão, ele vai ter de beber para esquecer!

Há, então, uma apoteose final, totalmente inesperada, em que o herói reconhece a evidência dos factos, se mete na bebida, esquecendo-se de quem é, do filho que é seu, da profissão que abraçou e, quase em coma, embarca em direcção ao Vaticano onde se refugia na Praça de São Pedro, mendigando para sobreviver.

É então que S. Santidade, vindo um dia à varanda, repara que apesar da copiosa chuva que se abate sobre a Praça de São Pedro, uma pobre alma jaz, tremendo, encostado a um edifício frontal, totalmente encharcado e com sinais de desidratação, fome e cansaço perfeitamente visíveis.

Apiedando-se de tal criatura, recebe o nosso herói no seio da Igreja e proporciona-lhe uma educação religiosa rigorosa, que dura mais tempo que o habitual devido ao facto de, muitas das vezes, o homem abusar nas homílias dominicais do Sangue de Cristo e se apresentar perturbado perante os seus professores doutrinais, proferindo escandalosas afirmações, que culminam depois em arrependimento brutal, no confessionário.

Mas, com paciência, o nosso herói lá abraça a vida de sacerdote e é colocado numa aldeola cubana, onde a pobreza é brutal, vivendo os seus habitantes dos recursos turísticos e da prostituição, venda ilegal de armas e de droga, bem como de expedientes resultantes de jogo ilegal.

É nessa altura, quando ele começa a conseguir construir uma comunidade crente e a desviá-los desses vícios, que lhe surge um turista inesperado em visita à Igreja que lhe fora confiada: nada mais nada menos que seu filho, o suspeito.

Este, sem nada saber da identidade do seu progenitor, vem falar-lhe e fica surpreendido quando o nosso herói lhe responde num português fluente. Como está longe de casa, pede para realizar uma confissão.

E é ali, num local onde a miséria impera, que o segredo brutal é desvendado: o seu filho revela-lhe que gosta de homens e não sabe o que fazer pois nutre uma paixão correspondida pelo Chefe de Governo do seu país natal, sendo certo que a sua mágoa é, aquando das sessões no Plenário, ter de o insultar e achincalhar, quando o que lhe mais apetecia fazer era declarar o seu fervoroso amor por ele aos quatro ventos.

É nessa altura que o nosso herói se apercebe da tragédia que assolou a sua vida, pois afinal o suspeito deixou de o ser, já que ficou claro que seu filho jamais tocaria numa mulher, mesmo que esta, como a vítima em questão, fosse muito parecida com um homem, e dos feios, e que abandonara uma carreira promissora como Detective Privado trocando-a por outra que não o completava, apesar do seu imenso reconhecimento a quem dele se apiedara num momento difícil.

Surge, então, um outro dilema: deveria revelar-se a seu filho ou, já que era homem, seria mais prudente esconder a sua identidade, não fosse seu filho querer usufruir do seu amor de pai de uma forma mais física?

Temos, pois, um grande final na Taberna da aldeia cubana, onde um turista português bebe escandalosamente copos de rum atrás de copos de rum, a quem acaba por contar o seu drama (isto acontece frequentemente nas Tabernas, sei-o por experiência própria, daí o realismo deste policial meio romance histórico), tendo obtido como resposta que, qualquer que seja a sua decisão, ele vai ter de beber para esquecer.

E é ali, a milhares de quilómetros da Terra Natal, que ele reconhece o mesmo bebedor da Taberna lusitana e as lágrimas escorrem em catadupa, porquanto já são coincidências a mais.

Eis quando repara na moça que o serve, atrás do balcão, e reconhece a vítima que não mais teve coragem de voltar ao Parlamento e procurou refúgio para os seus fantasmas num bar em Cuba.

Tudo termina com a chegada, ao bar, numa visita surpresa, de Sua Santidade que vem ver os progressos realizados na missão evangelizadora pelo seu protegido e fica escandalizado quando o vê, completamente embriagado, a cantar uma música cujo refrão tem algo a ver com os eurocus e com um andar novo, para além de uma dissertação soberba sobre o muco vaginal dos elefantes fêmea do Ruanda capaz de fazer corar um Santo à porta do Paraíso!

Envergonhado, Sua Santidade excomunga o seu protegido, numa decisão que o remete para um turbilhão emocional, já que se empenhara na salvação daquela alma, o que leva o nosso herói a embarcar, juntamente com o seu companheiro de Taberna, de regresso à pátria lusa, onde se empenha em descobrir quem teria violado, então, a agora funcionária da Taberna cubana.

Nessa ânsia pela descoberta da verdade, que o consome febrilmente, esquece o seu filho ilegítimo e lança-se numa cruzada, qual templário moderno, em busca do violador, renovando contactos antigos no submundo político e, com a conivência de um primo que é Secretário de Estado, assumindo a pele de um Director-Geral de um organismo inexistente (o que se torna apenas possível face à confusão resultante de constantes fusões, extinções e reestruturações de organismos públicos nacionais levada a cabo pelo amante de seu filho ilegítimo), vem a descobrir que, afinal, o violador tinha sido um invisual sonâmbulo que, quando tinha ataques de sonambulismo, recordava os tempos de pastorício na sua juventude e julgava estar a guardar bem as suas cabrinhas, pelo que cometia horrendos crimes de índole sexual, sem que tivesse sequer a consciência que os cometia!

Tudo termina bem, na Taberna inicial, onde o nosso herói confessa a seu grande amigo bebedor que já pode descansar, finalmente, pois já descobriu o culpado do crime e seu filho ilegítimo fugira para Cuba com o amor da sua vida, deixando toda a gente feliz, sobretudo os que tinham de arcar com as medidas do ex-Chefe de Governo.
O livro encerra com a lapidar frase, proferida pelo seu amigo, que lhe afirma: seja qual for o caminho a seguir, a partir de agora, vais ter de beber para esquecer!

O que acham, malta?
Terei futuro?
Não se esqueçam que isto tem um policial, tem romance, tem história e tem um meio, daí a sua designação como policial meio romance histórico...

Hic Hic Hurra

Inspector Serôdio, José Serôdio disse...

Ganda Zé,
Bota já isso por escrito, faz um guião como deve ser e manda ao Spielberg e companhia; méne, tens futuro!
(capricha nas cenas com gajas nuas)