quarta-feira, 22 de novembro de 2006

Inspector Serôdio - os anos de (m)oiro (de trabalho)

(continuação)
Já se esqueceram do trajecto do nosso impagável Inspector Serôdio, por mim traçado ao longo dos anos neste blog, em posts anteriores?
Não faz mal, não tem importância... procurem com perseverança e acharão, algures nos meses passados, os meus outros posts sobre este personagem cuja vida devassamos assim, para que todos possam dar o devido reconhecimento aos seus méritos.
Acabada a Faculdade, o nosso Inspector decide desde logo abrir escritório num lugar chique de Lisboa, o Martim-Moniz, entalado entre dois prédios prestes a ruir.
Inicialmente só, de pronto o nosso Inspector, com faro para estas coisas da investigação, decide colocar um anúncio nas caixas de biscoito para cães de uma conhecida marca nacional a solicitar um companheiro para o auxiliar em seus futuros casos (sabida que é, para quem esteve atento, a sua natural alergia a gatos).
Foi, pois, natural, que logo no dia seguinte tivesse dado entrada, naquele vão de escada, uma cadela de nobre porte, chamada Argúcia Acutilante, que ía em resposta ao anúncio.
E foi logo ali, naquele vão de escada, que o Inspector lhe tirou as medidas. Desconhecendo nós o teor do sucedido, o certo é que aquela cadela de um raio deve tê-lo convencido e bem, porque não só foi contratada, como por várias vezes a apanhei, em visitas surpresa de cortesia, deitada no sofá do escritório do Inspector a fumar um cigarrinho enquanto este, estranhamente, se encontrava sempre com qualquer problema intestinal, metido na casa-de-banho.
Foi já com a sua companheira de sempre que o nosso Inspector teve acesso ao seu primeiro caso profissional.
Lady Saint-George, a quem pertencia a propriedade do Castelo com o mesmo nome, veio queixar-se-lhe do desaparecimento súbito do seu adorado gatinho, o "Bichano", o que criou um enorme problema de consciência no nosso Inspector, dividido entre o júbilo da possibilidade de resolver o seu primeiro caso e assim ganhar o seu primeiro dinheiro de forma legal e o facto de ter de ir procurar um gato.
Mas a necessidade aguça o engenho e as contas têm de ser pagas, pelo que o nosso Inspector lá aceitou o caso e dirigiu-se à residência de Lady Saint-George em acção de investigação, sempre com o cuidado de enviar à frente a sua Argúcia Acutilante (afinal, como bem pensava para com os seus botões, nada como uma cadela para descobrir um gato).
Uma vez lá chegado, era hora do almoço e pairava no ar um cheiro forte a guisado. Sentado à mesa, analisando nasalmente o hálito de Lady Saint-George, e após uma observação preliminar dos pedaços de coelho que nadavam no molho da travessa, o nosso Inspector tem uma iluminação divina e deduz, brilhantemente, que se encontrava perante um dos equívocos do novo cozinheiro chinês da casa, o que fez com que este fosse tranquilamente pendurado pelo pescoço numa árvore do jardim, a bem dizer, assim a modos de recompensa pelos serviços prestados.
E foi assim que uma inconsolável Lady, que de uma só vez ficara sem gato e sem cozinheiro, teve de desembolsar uma avultada quantia pelos serviços prestados, mas não sem ficar extremamente grata ao nosso Inspector e reconhecer os seus méritos.
Como na alta sociedade estes acontecimentos voam rapidamente de boca-em-boca nos eventos sociais, dias mais tarde bate à porta do nosso Inspector o Conde de White-Chattel, que, com seus modos únicos e não sem apreciar de alto a baixo o porte do Inspector, ali se vinha queixar do desaparecimento de sua bengala preferida, que tanta falta lhe fazia dado ser multi-usos. O facto era que nem a sua Bettyzita nem a criadagem eram capazes de a encontrar.
Nesse momento, o nosso Inspector reparou num quase imperceptível bocado de poeira situado na bota esquerda do Conde.
Depois de ter analisado a bota com uma verdadeira lupa que comprara com os proveitos resultantes da resolução do seu primeiro caso, descobriu que a poeira era oriunda da Serra de Sintra, local onde tinha tido lugar um programa televisivo de cariz social e militar, o que fez com que o Conde se recordasse que a tinha deixado encostado ao seu cacifo, quando teve de se vir embora.
Muito agradecido pela lembrança, e após ter tentado por várias vezes beijar o nosso Inspector, o Conde lá lhe pagou os honorários e saíu, levemente chateado por aquele não ter feito um desconto com pagamento em géneros.
Duas semanas depois, eis que Lady Saint-George volta a pedir o auxílio do Inspector para que este descobrisse o paradeiro do seu fiel mordomo, que desaparecera sem deixar rasto.
Após constatar, interrogando o pessoal serviçal, que o dito mordomo já servia a casa Saint-George desde que nascera, e que tal sucedera haviam já passado 98 anos, guiado pela sua natural intuição e pelo faro da sua Argúcia Acutilante, o nosso Inspector descobriu e mandou abrir uma sepultura que se encontrava junto da capela.
Orgulhoso, verificou que o mordomo ali se encontrava, repousando, feliz e tranquilo, coisa que nunca conseguira em vida devido ao mau génio da patroa.
A sepultura foi encerrada e o caso também, com o nosso Inspector a regressar ao escritório com mais um cheque no bolso, tendo deixado com a Lady um cartão de uma empresa de trabalho temporário dirigida pelo seu ex-guru da Faculdade, o Emplastro (pois haviam combinado ajudar-se mutuamente sempre que possível e a Lady precisava agora de um mordomo, um cozinheiro e um gato).
Aos 28 anos de idade, já famoso e sem mãos a medir tantos os casos de que se ocupava (a própria Argúcia Acutilante já não tinha patas a medir, só para terem uma perspectiva da coisa), o nosso Inspector coloca um anúncio no Jornal "A Capital" a solicitar um ajudante.
Após ter entrevistado pessoalmente todos os candidatos, e com uma certa mágoa por não ter aparecido nenhuma candidata ao lugar, decidiu-se por contratar um tal de Tino, que também fazia biscates como calceteiro e era o tipo mais estúpido de toda a Península Ibérica e arredores (mais tarde haveriam de aparecer tipos semelhantes, de cachimbo e fato, no extremo ocidental da Europa, numa região chamada Erretêpê).
Uma vez mais, e para não variar, os seus serviços voltam a ser requisitados pela Lady Saint-George, que dera pelo sumiço dos seus brincos de jade.
Após se ter inteirado de todos os factos, a mente perspicaz e devastadora do nosso Inspector (que contrastava nitidamente com a do Tino que, entrementes, se ía deliciando a observar a calçada tipicamente portuguesa que ocupava o espaco do portão para a propriedade e o palacete da Lady, enquanto chupava um halls de mentol) entrou em ebulição e, fervilhando, dirigiu-se na direcção do depósito de lixo da família.
Afinal, tinha sido Stevie Wonder, o novo mordomo, levemente míope, que havia confundido os brincos com os caroços de ameixa do almoço e os tinha depositado, sem querer, no balde do lixo.
Como recompensa, foi também ele alegremente pendurado pelo pescoço numa árvore do jardim, o que originou uma manifestação contra o racismo, apoiada pela Sociedade Portuguesa de Autores a pedido da sua congénere norte-americana, pelo que a Lady teve de o soltar e deixar que agentes do SEF o reencaminhassem para o seu país de origem.
No mês seguinte, o nosso Inspector recebe um telefonema no seu escritório da, imagine-se, Lady Saint-George, que lhe anunciava o desaparecimento do seu famoso colar de diamantes, oferta de um príncipe hindu, não se sabe porque serviços prestados.
Era o cúmulo.
Aquela gaja perdia tudo, bolas!
Cansado da profissão, o nosso Inspector resolveu aposentar-se precocemente e aposentou-se tão bem que mais ninguém dele soube, mas suspeita-se que terá passado os últimos dias em parte incerta, tentando ensinar o Tino a ler e a colaborar activamente num blog, mas isso são tudo boatos por confirmar.
FIM

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