quinta-feira, 7 de setembro de 2006

Os acoimados (Poderia suceder numa praia perto de si)

Fútil. A vida era tão fútil. Ela deixara-o. A mais bela mulher que conhecera. A única por quem ansiava ver todas as horas, todos os minutos. E deixara-o porque descobrira, graças à cabra da amiga dela, que era lésbica. Que apenas o poderia ter como amigo. Que não o deixaria beijar novamente os seus lábios. Ou quaisquer outras partes do corpo dela. Isto depois de três meses de namoro intenso e em que o sexo, ai minha nossa, o sexo, por vezes, tinha sido... tinha-o colocado em outra dimensão espiritual. Mais nada valia a pena. A sua irmã dissera-lhe que não valia a pena aquele vazio depressivo em que ele mergulhara, dado que “a gaja não valia nada”, mas o facto é que, surpreendemente, descobrira alguns dias depois que a sua irmã mantivera relações sexuais com a sua ex-namorada enquanto ele ainda andava com ela. A vida era uma porcaria. Até as provas de física e de química, que havia repetido graças à generosidade da Ministra de Educação, haviam corrido pior na segunda vez. Nada o cativava, nada o motivava. Mais valia...
Decidiu que estava na hora de pôr um final a tudo. Ninguém sentiria a falta dele mesmo. Começou a pensar se ela se vestiria de luto quando soubesse. Se ficaria com um peso na consciência. Ao menos isso. Ele teria morrido por causa dela.
Levantou-se e encaminhou-se para a água selvagem do oceano. As vagas rondavam, pelo menos os seis metros de altura, razão da bandeira vermelha que, orgulhosamente, se encontrava hasteada na praia.
Os pés sentiram o toque gelado da água. Será que iria demorar muito a sentir o doce e suave toque da morte? Retomou o andamento em direcção às ondas e, quando, a água já se encontrava a meio caminho entre os tornozelos e os joelhos, ouviu um apito intenso, a cerca de cinco passos nas suas costas.
- Parado já aí, meu jovem – exclamou um sujeito de cerca de uns trinta anos, vestido com o equipamento do concessionário da praia, com o que parecia ser um bloco de notas na mão esquerda e uma caneta na mão direita – onde pensa que vai?
- Deixe-me em paz. O que é que o senhor tem a ver com isso?
- O que é que...? Oiça lá, jovem, não viu a bandeira vermelha? Não sabe que é proibido tomar banho com a bandeira vermelha?
- Tou-me pouco fodendo para isso! E, além do mais, eu não vou tomar banho, vou-me matar.
- Isso é coisa que não me interessa. É proibido entrar na água para tomar banho, mesmo que seja para se matar. Se continuar, sou obrigado a autuá-lo.
- Raisparta, homem, se quiser autue, se não quiser não autue, mas deixe-me em paz!
- Ok, tá autuado! Dados pessoais, faxavor.
Com pouca vontade e condescendência, deu-lhe os dados pessoais exigidos.
- Agora já posso ir?
- Já não lhe disse que é proibido tomar banho com a bandeira vermelha?
- Pois, mas e se eu tomar banho? Autua-me outra vez? Já me autuou, recorda-se? E o banho ainda é o mesmo uma vez que ainda não saí da água.
O sujeito coçou a cabeça. Aquela nunca lhe tinha sucedido. Por fim, disse:
- Está bem, faça o que quiser, eu já fiz o que tinha a fazer. Tome lá o duplicado do auto. Tem 20 dias para pagar a coima ou contestar a infracção. Boa praia. – e virou costas ao banhista.
E ali ficou o jovem, com o auto de contra-ordenação nas mãos, a pensar se valeria a pena morrer já na imensidão das vagas oceânicas ou se, pelo contrário, primeiro deveria ir ter com a sua ex-namorada e enfiar-lhe o auto pelas goelas abaixo, uma vez que tinha sido por causa dela o ter largado que tinha sido autuado e que não poderia matar-se naquela altura uma vez que ainda tinha uma multa para pagar antes de morrer...”

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