sexta-feira, 14 de outubro de 2005

Um Marquês numa Assembleia Geral de Apuramento de Votos

Para quem se tenha esquecido, devo recordar que aqui o vosso aristocrático amigo havia sido convidado para fazer parte de uma assembleia geral de apuramento de votos relativamente às últimas eleições autárquicas.
Razão pela qual, aliás, o Alves esteve de folga ao controlo etéreo dos meus "posts" na passada terça-feira.
Pensava eu que a coisa iria ser linear, uma vez que as contagens de votos nas mesas locais estariam presumivelmente bem feitas.
Enganei-me.
O primeiro revés no meu dia aconteceu quando cheguei à Assembleia e verifiquei que a mesma era exclusivamente composta por homens, com excepção da secretária, que tinha ar de virgem, mas também tinha ar de ter mais de cinquenta anos. Confesso que tinha a esperança de encontrar uma mulher fisicamente mais atraente e que me proporcionasse alguma distracção visual enquanto as horas passassem.
O segundo revés aconteceu quando se verificou que alguns dos envelopes e embrulhos que continham os votos e as actas das mesas locais não continham qualquer identificação. Foi necessária uma boa hora para pôr os presidentes das mesas a identificarem o que era seu ou não.
A coisa ficou pior quando, verificadas as actas das mesas e as respectivas contagens dos votos, vislumbrou-se que praticamente numa média de uma em cada três mesas de votos a bota não batia com a perdigota. Ou seja, o número de eleitores votantes não batia com o número total de votos depositados. Umas vezes para mais, outras vezes para menos.
E, nestes casos, existiram situações de todo o tipo: umas vezes terão sido os eleitores a levarem boletins para casa; em outras situações terão sido depositados parcialmente alguns dos boletins na urna antes da mesa se aperceber que aquele ou aquela eleitora não deveriam votar naquela secção; e, caso inaudito, existiu um caso em que terão sido entregues três boletins de voto a um eleitor, mas em que vez de pertencerem distintamente à Assembleia de Freguesia, à Assembleia Municipal e à Câmara Municipal, um pertenceria à Assembleia de Freguesia e dois à Câmara Municipal, não tendo sido entregue ao eleitor o boletim para o voto na Assembleia Municipal, o qual assim não votou para esta, mas votou por duas vezes para a Câmara Municipal!
Isto tudo esclarecido, com larguíssima calma, pelos senhores presidentes das mesas de voto.
O único que não conseguiu explicar nada foi um presidente que tinha um diferencial de dez votos depositados na urna relativamente ao número de eleitores inscritos. E lá tivemos de fazer a recontagem de votos, para se descobrir, afinal, que o senhor presidente da mesa em apreço, talvez insatisfeito com o número de votos em um determinado partido político que não ultrapassou a unidade, introduziu erroneamente o primeiro número da casa das dezenas no lado esquerdo da unidade inicial, razão pela qual apareciam dez votos a mais depositados relativamente ao número total de votantes.
E uma vez que as contas estavam erradas, lá tivemos de fazer novamente todas as contas e definir os resultados parciais. Foram umas boas oito horas de trabalho, que poderiam ter sido três horas se a coisa tivesse sido bem feita nas mesas locais de voto.
Eu já não acreditava nas sondagens (a propósito, os meus parabéns à TVI/ Intercampus pelo magnífico trabalho de sondagem no domingo eleitoral: quase 100% de sucesso nas previsões dos totais).
Com isto tudo, deixei de acreditar nos números do STAPE que são divulgados no domingo eleitoral quando a margem de vantagem ou desvantagem entre candidatos seja mínima.
Duas pequenas notas finais.
A primeira, para o facto do STAPE ter fornecido a certas Câmaras Municipais um programa informático para a determinação dos mandatos autárquicos e a outras não: não percebi a distinção entre filhos e enteados. Eu tive de fazer as continhas dos mandatos autárquicos, segundo o método de Hondt, juntamente com os demais membros da assembleia, à mão e com o auxílio de caneta, papel e de um sem número de calculadoras (pois é, também não havia computador com Excel na sala). Três amigas minhas, presentes em outras Assembleias, não. Acabaram a coisa cerca de três horas antes de mim.
A segunda nota vai para a escassa criatividade dos portugueses nos escritos apostos nos boletins de voto nulos: desde votar em todos os partidos existentes até ao risco vertical e diagonal, passando pelo vernáculo e desenhos habituais, o eleitor português deixou-me decepcionado pela pequenez da sua capacidade crítica no momento do voto. Se uma pessoa se dá ao luxo de ir votar para este efeito, ao menos que o faça com um certo estilo.
No meu caso, a votar nulo, eu era bem capaz de lá escrevinhar um "Sócrates, nem o grego!".
Soa mais criativo, embora menos eficaz, que "paneleiros", não acham?

2 comentários:

ENGº. Viriato disse...

Só pela descrição vê-se logo que não te passou pela mão um dos meus boletins de voto. Se tivesse passado logo me dizias da escassa criatividade dos portugueses...aquilo é que foi dar à caneta, caneco!

Marquês disse...

Meu caro Alves,
Como costuma dizer a tua companhia, precisas de óculos. Eu não utilizei qualquer palavrão, mas sim o eleitor: logo vi que leste a coisa tão rapidamente que nem viste as aspas iniciais e finais.
Quanto a parágrafos, ó desgraçado vilão, falas tu de barriga cheia uma vez que consegues escrever um texto de cento e cinquenta frases sem fazer um único parágrafo. No teu caso até se pode dizer que quem nasceu para ser um Saramago nunca chega a Steinbeck.